Voltar ao CAMINHO
por Hugo Cruz
“Aconteça o que acontecer vamos experimentar.”
Filipa Francisco durante o ensaio
Num tempo e espaço que reforça as nossas dúvidas, medos, inquietudes e fragilidades resta-nos a reinvenção do CAMINHO como um regresso a nós – os humanos. Este espetáculo convoca as nossas ancestralidades confrontando-as com o hoje, tantas vezes opaco, sem deixar de ensaiar a construção de outras realidades possíveis, reequacionando o lugar do “eu” e propondo um “nós”, distanciado do velho olhar identitário homogéneo.
CAMINHO iniciou-se antes da pandemia, mergulhando numa pesquisa profunda que se cruzou com as ideias de “baile” e “entrudo”. Assumindo-se, desde logo, a disputa de sentidos do que é este “estar juntos”, especialmente na celebração e catarse coletiva, supostos parênteses da vida, mas, no entanto, mais próximas desta do que muitas das rotinas cristalizadas e padrões normativos.
Este CAMINHO trouxe para a sua construção uma pandemia que nos distanciou e abalou a tirania das certezas, decidindo perante isso, não ter, serenamente, soluções. O grupo, em cocriação, construiu um espetáculo de dança com participação comunitária em que o encontro, o toque e o estar em coletivo foram colocados em causa, pelo menos da forma como os conhecíamos até então. Mesmo assim, o CAMINHO fez-se, respirando muito e bem, cruzando corpos em busca das suas origens, propondo a bailarinos e músicos, profissionais e não profissionais das artes, correr os mesmos riscos éticos e estéticos. Convocaram-se instrumentos musicais como extensões dos corpos, a tecnologia da atenção e do detalhe como parte integrante do processo, a mescla de referências, histórias, vozes e visões múltiplas e uma vontade pulsante de criar e, assim, concretizar outros “estar juntos”.
O estranhamento e a profanação conjugaram-se, para dar espaço ao novo, numa proposta para o futuro. A sensação transversal a este espetáculo-encontro é a de uma existência maior e contínua, muito para além de nós. Experimentam-se formas relacionais, de criação e decisão, ousando a construção de outras estéticas, sem medo de misturar nem a necessidade obsessiva de rapidamente nomear, numa estratégia seca de disputa. Na confiança e generosidade deste grupo, não se deixaram em nenhum momento, mesmo que inconscientemente, de ensaiar outras configurações para o fazer coletivo, pressentindo-se a emergência de micropolíticas do sensível, do cuidado e de uma participação genuína e efetiva.
É um CAMINHO mais perto do humano assumindo as tentativas, os erros, as respirações, as existências, as escutas e as diferentes velocidades da vida. O êxtase do entrudo e dos corpos em folia, a calma e paz das memórias individuais e coletivas, conjugam-se fluidamente com a disciplina e resistência inerentes ao fazer CAMINHO, que é afinal sempre um outro, ainda desconhecido. Neste espetáculo as coisas vêm de todos os lugares. Figurinos, música e dança, voz e corpo integram-se organicamente como se tivesse sido sempre assim. Identidades, máscaras, corpos, códigos, ventos, sons de diferentes tempos, espaços e velocidades arriscam-se juntos e de forma respirada na construção de uma comunidade temporária que afinal propõe a concretização de outros seres e estares, numa decisão de viver. Este é um espetáculo-desafio - voltar ao CAMINHO...o caminho do humano.
Belmonte, 19 de Agosto de 2020
Hugo Cruz
desde casa, tenho Belmonte na cabeça e no corpo. Continuo a investigar. Os sons e vídeos que gravámos ajudam-me a relembrar e a continuar a imaginar a peça.
Imaginar uma peça é sempre imaginar o futuro. É sempre sobre algo que ainda nāo nasceu, que se forma a partir de várias ideias, imagens e que, depois de muitos ensaios e improvisações, acaba por ter um corpo e vontade própria.
A Queima do Entrudo, pelas ruas de Colmeal da Torre, caminhando em procissão, com velas, as pessoas juntaram-se para iniciar esta procissão pagā. As crianças entre o divertido e o assustado. O padre fingido, ia parando e discursando apregoando o vinho. Bolos oferecidos, copos de vinho e chouriça como hóstia. Um homem vestido de mulher chorava o entrudo e até à queima final do boneco de palha, gritou ai o meu marido, ai o meu marido!
Imaginei-o com Vivaldi (na verdade sonhei com as "Quatro Estações" durante uma semana) depois o Tiago Pereira pegou no meu sonho e no vídeo do Miguel Canaverde e criou a banda sonora.
Do entrudo interessam-me os coros de maldizer: retirei esta frase do livro “A face do caos. Ritos de subversāo na tradiçāo portuguesa” de Aurélio Lopes:
"disfarçando a voz pela distorçāo mecânica do funil ou pelo esganiçar propositado, muitas destas acções recorrem à clandestinidade como fator indispensável do anonimato.”
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