“O caminhar considerado como uma combinação de movimento, humildade, equilíbrio, curiosidade, cheiros, sons e luz e um sentimento de desejo. Um sentimento de querermos alcançar alguma coisa que procuramos, sem a encontrarmos. Na língua portuguesa existe uma palavra intraduzível para este sentimento: saudade.”
Erling Kagge em A Arte de Caminhar
Neste Borralho – Festival de Inverno para Pequenas Peças à Beira do Fogo, o Teatro Experimental do Porto persegue uma ideia de comunidade e de empatia. Partimos do levantamento feito pel’O Teatrão no concelho de Viseu, e identificámos algumas ideias contidas nesse relatório como basilares para o nosso trabalho: a descentralização; o trabalho com profissionais, amadores e escolas do concelho; a relação com profissionais vindos de fora do concelho. Quisemos então pensar em algo que se ajustasse a estes princípios e que também pensasse o “fora de época alta” para as actividades culturais, neste caso o Inverno. Lembrámo-nos da importância dos serões da aldeia, nas regiões mais frias do país, de quais os trabalhos pensados para o Inverno: a poda da vinha, o fiar do linho, o contar das histórias ao borralho, a leitura do borda d’água, o preparar o que aí vem...
Como poderia ser interessante, convidar habitantes da região a abrir as suas casas para que se contassem histórias à beira do fogo?
Fomos então à procura de actores profissionais e amadores para nos acompanharem e fomos também à procura de bairros e freguesias do concelho de Viseu, para nos acolherem. Os actores escolhemos em dois fins-de-semana de audições muito concorridas, em que chegaram a Viseu actores profissionais de todo o país. Seleccionámos dez, sendo que mais de metade são de Viseu. Convidámos a Sónia Barbosa para se juntar ao elenco, a Ana Bento para fazer a direcção musical e o Cristovão Cunha a direcção técnica. A escrita do texto iria ficar a cargo do Jorge Louraço Figueira, a direcção de actores do João Miguel Mota e a direcção plástica da Catarina Barros. Fundimo-nos artisticamente com parte da comunidade artística de Viseu, e que bom que está a ser!
Quanto aos locais escolhidos tivemos a felicidade de ir ao encontro dos presidentes de Junta de Várzea de Calde e da Bodiosa, que nos foram apresentando membros da sua comunidade e também tivemos a felicidade de que os habitantes do bairro municipal de Viseu tenham tido a confiança em nós para nos mostrarem os seus borralhos. Enquanto isso vamos também colaborando com o Instituto Politécnico de Viseu e com os seus estudantes e professores.
E que histórias iríamos contar? Queríamos fundir o presente e o passado, queríamos falar de algo ancestral mas que olhasse para agora, queríamos que os temas fossem: a emigração, a guerra, o amor, a saudade, a política, o tempo, o caminhar. Queríamos convocar os espectadores para uma experiência comunitária única, à volta do fogo.
Escolhemos o último capítulo da Odisseia de Homero, o capítulo do regresso a casa e o da matança e exílio. Pedimos aos actores que nos acompanham grande autonomia artística no tratamento destes materiais, na escrita do texto, na criação das pequenas peças. Ao mesmo tempo vamos trabalhando uma unidade plástica, sonora e conceptual. Convidaremos os espectadores, a andar, a circular, passando por ambientes rituais, outros animalescos e primitivos, outros etéreos e políticos. Momentos mais íntimos, outros públicos. Tentaremos parar o tempo, dilatá-lo, dando-lhe ancestralidade, mas também aprimorando os sentidos, para que possamos olhar, cheirar, sentir, para que a velocidade dos nossos dias não nos impeça de sentir empatia pelo outro, escutar o outro. Para que tomemos em mãos o nosso destino, em conjunto.
Gonçalo Amorim,
Encenador e director artístico do Teatro Experimental do Porto
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Universidade de Coimbra , Instituto Politécnico de Coimbra, Instituto Politécnico de Viseu, Instituto Politécnico de Castelo Branco, Instituto Politécnico da Guarda, Instituto Politécnico de Tomar, Universidade da Beira Interior.